A casa hoje
abandonada, fora outrora habitada por uma família abastada. Poucos são os que
os conheceram, mas todos invocam a sua história.
Tinha ele 6
anos quando um ataque de pneumonia o confinou à cama. Devido à sua saúde, agora
frágil, mudaram-se da cidade agitada e escura para uma vivenda campestre, onde
o ar não lhe pesava tanto nos pulmões. Mas para ele era ainda pior: continuava
muralhado em casa, no quarto…e apenas podia admirar o mundo nas poucas vezes em
que as janelas estavam descortinadas, visto sua mãe ter frequentes enxaquecas.
Continuava a
ter alguns ataques à noite, especialmente em tempos de calor onde a humidade se
colava aos pulmões, dificultando a respiração, mas nada dizia, com medo de os
pais lhe roubarem o pequeno prazer de dormir com a janela aberta.
A empregada
enchia-o de bifes de fígado (para fortalecer o sangue, dizia ela) e com leite
impregnado em mel (fórmula medicamentosa para limpar os pulmões).
Na falta de
amigos, teve de se habituar a brincadeiras solitárias e à companhia de amigos
imaginários maldosos, que ele não conseguia controlar, que sistematicamente o
atraíam para o exterior, sendo sempre salvo pela empregada.
O seu pai era
funcionário do estado, pelo que raramente se encontrava nos arredores e, quando
estava, fazia o máximo para se afastar daquela casa em luto.
Todos os dias
eram iguais, com o mesmo cansaço e o mesmo pensamento: como é o mundo lá fora?
Demorou apenas
cerca de 6 meses até perder a noção do tempo e os dias deixaram de ter número.
Tomado como
frágil, não lhe era permitido correr pela casa e as brincadeiras estavam
restritas ao quarto de lazer sobrelotado de tapetes.
Era hoje. O
outro tinha razão…ia aproveitar a ausência dos pais para ver, sem entraves, o
jardim. Só tinha que enganar a empregada, o que supunha ser uma tarefa nada
difícil, bastaria fingir estar a dormir e esgueirar-se pela janela quando ela
aproveitasse a ausência dos patrões para ir namorar.
A primeira
etapa estava concluída: os papás tinham saído e ele tinha-se desculpado pelo
súbito cansaço e marchou para a cama. Começava a impacientar-se, a empregada
tardava em sair.
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